O avanço na engenharia tecidual e biomedicina continua a abrir novas possibilidades para a pesquisa e desenvolvimento de soluções clínicas eficazes, com uma das inovações sendo a tecnologia de organ-on-chip/órgãos-em-chip (OoC).
Este sistema microfluídico integra microengenharia com biologia para simular aspectos essenciais da fisiologia humana, proporcionando uma ferramenta poderosa para estudos in vitro mais precisos e humanizados, com potencial para substituir/reduzir modelos animais.
O que são organ-on-Chip?
Organ-on-chip (OoC) são dispositivos que recriam em pequena escala (eg., micro) as condições fisiológicas humanas, combinando células e tecidos vivos dentro de microcanais que imitam/mimetizam o comportamento de órgãos inteiros.
Eles permitem a manipulação precisa do microambiente celular, controlando variáveis como fluxo de fluidos, oxigenação e estímulos mecânicos. Esses sistemas podem recapitular funções específicas de órgãos, como a barreira intestinal ou a contratilidade cardíaca, e são especialmente úteis para estudar interações entre múltiplos órgãos por meio de sistemas "body-on-chip"
Essa tecnologia, já destacada como uma das principais inovações emergentes pelo Fórum Econômico Mundial, atraindo atenção tanto da academia, como também das indústrias farmacêutica, cosmética e química, que buscam alternativas éticas e eficazes para a experimentação animal.
Princípios fundamentais & Design
O desenvolvimento de um dispositivo OoC começa com a escolha do modelo de órgão e a definição de sua complexidade necessária. Sistemas de órgão único são altamente especializados, enquanto os sistemas multi-órgãos (i.e., body-on-chip) são projetados para simular interações metabólicas e farmacológicas em um contexto fisiológico mais holístico.
O design do chip é fundamental: Ele deve permitir a manutenção de microambientes complexos, equilibrando a necessidade de controle preciso e a miniaturização da complexidade do sistema.
Os materiais usados na fabricação de OoCs são selecionados com base em suas propriedades funcionais e biocompatibilidade. O PDMS (polidimetilsiloxano) é amplamente utilizado por ser transparente, flexível e capaz de replicar microestruturas complexas por meio de processos como litografia suave.
No entanto, ele apresenta desvantagens, como a absorção de pequenas moléculas, que podem comprometer experimentos de análise metabólica de fármacos. Alternativas incluem termoplásticos, que são mais apropriados para produção em massa, e vidro, que é quimicamente inerte, embora mais caro e complexo de fabricar.
A bioimpressão 3D tem se mostrado uma ferramenta interessante na produção de OoCs complexos. Isto porque, esta tecnologia permite a criação de estruturas tridimensionais precisas que podem incorporar células e biomateriais, promovendo a criação de tecidos funcionalmente relevantes.
A integração de sensores microeletrônicos nos chips também permite a monitorização em tempo real das condições experimentais e estudos com adição de machine learning são de extrema relevância para mineração de dados e entendimento dos mesmos.
Tipos de Células Utilizadas
A seleção celular é crucial para o sucesso dos modelos de órgãos-em-chip. As opções incluem:
Células primárias: Derivadas diretamente de tecidos humanos, elas oferecem uma representação mais precisa da função tecidual in vivo, mas possuem limitações de expansão e podem perder rapidamente suas características específicas em ambientes de cultivo mal planejados.
Células imortalizadas: São mais fáceis de cultivar e manipular, mas geralmente podem apresentar funções fisiológicas menos representativas;
Células-tronco pluripotentes induzidas (iPSCs): Podem ser diferenciadas em uma ampla variedade de tipos celulares específicos do paciente, oferecendo um grande potencial para estudos de medicina personalizada e modelagem de doenças. A desvantagem consiste na dificuldade de estabilização das linhagens e manutenção das características fenotípicas e genotípicas.
A escolha das células depende do objetivo experimental, sendo que cada tipo celular oferece um equilíbrio diferente entre funcionalidade, estabilidade e viabilidade a longo prazo.
Por exemplo, em estudos de absorção intestinal, as células Caco-2 são frequentemente usadas por suas propriedades de barreira, mas podem ser complementadas com outros tipos celulares para replicar melhor a complexidade do ambiente intestinal. O mesmo é válido para outros tecidos heterogêneos, tal como o pulmão.
Ilustração do primeiro organ-on-chip mecanicamente ativo biomimético ao tecido pulmonar reportado em 2010 por Huh et al., 2010.
Integração de Esferoides, Bioimpressão e organ-on-Chip
Uma das abordagens mais de fronteira da engenharia tecidual é a combinação de esferoides, bioimpressão 3D e órgãos-em-chip, o que potencializa ainda mais a capacidade de simular condições fisiológicas reais. Cada tecnologia contribui com vantagens específicas:
Esferoides celulares: Estruturas 3D que melhor imitam a arquitetura tecidual in vivo, proporcionando interações célula-célula mais realistas e melhor funcionalidade em comparação com culturas 2D tradicionais;
Bioimpressão 3D: Permite a organização precisa de múltiplos tipos celulares e materiais biocompatíveis para criar tecidos estruturados com funções específicas. Isso é essencial para formar órgãos complexos com características fisiológicas precisas;
Órgãos-em-Chip: Fornecem o controle do microambiente, como a aplicação de fluxo de fluido, que é fundamental para manter a viabilidade celular e replicar estímulos biomecânicos presentes no corpo.
Vantagens da Combinação
Combinar essas tecnologias (esferoides, organ-on-chips e bioimpressão) permite a criação de sistemas multicelulares mais realistas, com um nível de controle e precisão que ainda não é alcançado por métodos convencionais. Por exemplo, esferoides podem ser bioimpressos dentro de dispositivos OoC para criar microambientes altamente complexos, facilitando o estudo de processos biológicos como a invasão tumoral ou a resposta imune.
Além disso, a capacidade de integrar tecidos funcionalmente conectados em um único sistema multi-órgão permite estudar fenômenos como a absorção de medicamentos pelo intestino e seu metabolismo no fígado. Isso é fundamental para prever melhor a eficácia e a toxicidade de novas terapias, reduzindo a necessidade de testes em animais e acelerando o processo de desenvolvimento de medicamentos.
Aplicações e Perspectivas
A tecnologia OoC está favorecendo áreas como a farmacologia e a toxicologia, possibilitando estudos mais rápidos e éticos. Pesquisas com OoCs já estão sendo utilizadas para entender melhor doenças como câncer, fibrose e doenças cardiovasculares, bem como para testar novos compostos farmacêuticos com precisão.
Dentro desse contexto, a relevância dos organ-on-chips em termos de mimetismo é tanta que, já existe um modelo de organ-on-chip que é utilizado substituindo o uso de animais em etapas pré clínicas. Esse chip foi desenvolvido para o estudo de uma condição rara de doença neuromuscular degenerativa, que hoje não se tem modelo de cobaia animal que fielmente replique tal patologia.
À medida que a bioimpressão e as técnicas de microfabricação evoluem, a expectativa é que essas plataformas se tornem ainda mais personalizadas, permitindo estudos específicos de pacientes e abordagens de medicina de precisão.
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Referências
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