A cartilagem articular - ou hialina - está presente como revestimento dos ossos articulares. É um tecido altamente resistente, capaz de suportar movimentos em diversos planos, com diversas condições de carga, favorecendo o amortecimento e o fácil deslizamento dos ossos, para que o movimento seja realizado sem dor.
Por ser um tecido sem vasos sanguíneos, sem vasos linfáticos e sem nervos, a sua capacidade regenerativa é extremamente limitada. As lesões nesse tecido, ou seja, as lesões condrais, podem acometer todas as faixas etárias e podem ser ocasionadas por pequenos traumas repetitivos quanto por grandes traumas. Resultando em dor, perda de mobilidade e redução da qualidade de vida do indivíduo.
A progressão dessas lesões, pode culminar em condições degenerativas, como a osteoartrite. Apesar de ser uma condição natural, decorrente do processo de envelhecimento, o ritmo de vida atual tem favorecido o aparecimento precoce dessa patologia. A osteoartrite - ou artrose - afeta 300 milhões de pessoas mundialmente e no Brasil, os gastos pelo Sistema Único de Saúde passam da casa dos R$ 100 milhões, anualmente. Dentre os tratamentos clínicos atuais, como a microfratura, implantações autólogas ou a susbtituição total da articulação, há limitações como; a permanência de dor, mobilidade reduzida, falta de durabilidade, rejeição, entre outras complicações.
Devido a esses fatores, a Engenharia Tecidual aparece como uma alternativa, a fim de criar construídos tissulares que sejam biomiméticos ao do indivíduo. Diversas estratégias, utilizando células e biomaterias, já foram descritas na literatura científica e muitas já são inclusive patenteadas e comercializadas. Os avanços no campo da Engenharia Tecidual, resultaram em tecnologias capazes de biofabricar construídos tissulares cada vez mais similares com os do corpo humano. A bioimpressão 3D, é um dos cases de sucesso dentro dessa área.
A Bioimpressão 3D tem conseguido alavancar a área da Engenharia Tecidual em patamares nunca antes alcançados, gerando construídos similares a vasos, órgãos, pele e por que não tecido cartilaginoso também? É dentro desse contexto que pesquisadores do Centro de Medicina Regenerativa da Universidade de Saga, no Japão, conseguiram bioimprimir construídos de cartilagem humana com tamanho e forma anatômica!
Para isso, os pesquisadores utilizaram células tronco de pluripotência induzida (iPSCs), diferenciando-as em células condrogênicas (células nativas do tecido cartilaginoso). Essas células, ao invés de serem cultivadas em monocamada em garrafas de cultura, foram cultivadas como esferoides celulares em diâmetros de 500-700μm. Uma Bioimpressora denominada Regenova Bio-3D printer, produzida pela empresa Cyfuse Biomedical, foi utilizada para depositar esses esferoides condrogênicos em determinadas geometrias (Figura 1).
Nesse processo, conhecido como Kenzan method, os esferoides celulares são alocados, unitariamente, em estruturas similares a agulhas, de forma automatizada. Essa estrutura então é levada ao biorreator, onde poderá maturar (fusão dos esferoides), formando o macro tecido. Diversos experimentos foram feitos com relação a; (I) eficiência do protocolo de diferenciação, (II) viabilidade do construído, (III) secreção de moléculas-chave da cartilagem e (IV) propriedades mecânicas do construído. Ademais, diferentes formatos de tecido cartilaginoso foram biofabricados, no intuito de validar o método para que, futuramente, pacientes com diferentes níveis de lesões articulares pudessem também receber o tratamento. Tecidos retangulares, tubulares, planares e cúbicos foram bioimpressos (Vídeos 1 e 2) (Figura 3).
Construído em forma de L, 40 dias após Bioimpressão [Fonte: Nakamura et al., 2021].
Construído 39 dias após a Bioimpressão [Fonte:Nakamura et al., 221].
Os construídos gerados através da Bioimpressão, apresentaram integridade estrutural, manutenção da viabilidade celular, secreção de moléculas-chave como colágeno tipo 2, glicosaminoglicanos. Os testes de propriedade mecânica revelaram que o módulo de compressão foi de 0,59 MPa, 0,77 MPa e 0,88 MPa para os construídos após 3, 4 e 5 semanas de maturação, respectivamente. A força máxima necessária para rasgar o construído aumentou de 90 mN para 209 mN, de 3 a 5 semanas de maturação. Dados esses muito relevantes quando consideramos a força que a cartilagem precisa suportar. O tamanho final alcançado pelos construídos foi de 6 cm^2.
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Referências
Nakamura et al., Bio-3D printing iPSC-derived human chondrocytes for articular cartilage regeneration. 2021. Biofabrication. DOI: https://doi.org/10.1088/1758-5090/ac1c99 .
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