A área da Biofabricação, busca desenvolver produtos biologicamente funcionais para aplicações biomédicas. Esses produtos incluem a produção, em laboratório, de tecidos e órgãos para pesquisas de cosméticos, fármacos, como modelos de estudo para diversas doenças e - em longo prazo - até mesmo objetivam o transplante destes tecidos e órgãos que foram biofabricados.
Para criar esses produtos, a biofabricação se baseia em técnicas como bioprinting (bioimpressão 3D) e o bioassembly (ou biomontagem). No entanto, um componente fundamental que possibilita o avanço dessas técnicas é a Biotinta (do inglês, bioink). A biotinta nada mais é do que um material composto de células + biomateriais e outros componentes-chave.
No artigo de hoje, vamos explorar a origem e a evolução do termo "biotinta", assim como discutir as definições atuais dela, para o progresso da engenharia tecidual e medicina regenerativa.
Origem do Termo Biotinta (Bioink):
O termo "bioink" foi reportado em 2003 no contexto da impressão 3D de órgãos. Na época, pesquisadores como Vladimir Mironov, propuseram a ideia de imprimir um hidrogel como uma espécie de "papel biológico" (biopaper) e inserir células vivas ou esferoides de tecido dentro desse hidrogel como a "tinta biológica" (biotinta). Ou seja, o biopaper seria o suporte tridimensional impresso que receberia a biotinta composta de células posicionadas estrategicamente.
Essa abordagem de criar uma estrutura de suporte (biopaper) e uma tinta biológica separadas, refletia as limitações tecnológicas da época. Os pesquisadores precisavam de um material com propriedades físicas adequadas para a impressão 3D, como hidrogéis termoplásticos, enquanto as células demandavam um ambiente bioquímico viável. Assim, a impressão do biopaper e posterior incorporação da biotinta celular surgiu como solução inicial.
No entanto, com o rápido avanço das técnicas de bioimpressão nos anos seguintes (principalmente de extrusão), percebeu-se que nem sempre um suporte separado era necessário. As células poderiam ser incorporadas diretamente na formulação impressa, eliminando a distinção entre biopaper e biotinta. Foi assim que o termo biotinta passou a designar o próprio material contendo células dispensado durante o processo de bioimpressão 3D.
"Inicialmente, o termo biotinta referia-se ao componente celular posicionado sobre (ou dentro) de hidrogéis, que atuavam como "biopaper". Com o avanço da tecnologia de bioimpressão 3D, a necessidade de um "biopaper" separado foi eliminada"
A biotinta passou a ser definida como o próprio material que é dispensado durante o processo de bioimpressão 3D. Ou seja, evoluiu de ser apenas o componente celular depositado sobre um suporte, para ser a própria formulação impressa que contém células e biomateriais.
Essa mudança conceitual, acompanhou os avanços nas técnicas de biofabricação, que permitiram dispensar materiais de suporte separados e utilizar formulações adequadas para serem processadas diretamente na bioimpressão 3D. Atualmente, o termo biotinta é amplamente empregado para se referir aos diversos materiais utilizados na bioimpressão, muitas vezes contendo tanto células quanto componentes extracelulares e materiais de suporte, como os hidrogéis. Essa evolução semântica reflete como o campo amadureceu e se diversificou.
Categorias de biotintas
O termo biotinta ]tem sido amplamente utilizado em artigos de revisão sobre biofabricação. Alguns pesquisadores têm sugerido expandir a definição de biotinta para incluir praticamente todos os materiais que podem ser fabricados por métodos aditivos de biofabricação (e.g., bioimpressão por extrusão).
Uma proposta recente na literatura classifica as biotintas em quatro categorias principais:
1) Biotinta de suporte: Fornecem suporte mecânico temporário durante a biofabricação.
2) Biotinta de fuga (fugitive bioink): São removidos após o processo, deixando apenas o tecido biofabricado.
3) Biotintas estruturais: Conferem propriedades mecânicas e estruturais a longo prazo.
4) Biotintas funcionais: Promovem funções biológicas específicas, como condução elétrica.
Essa categorização buscou descrever as biotintas de acordo com a função final da construção biofabricada, refletindo a crescente diversidade de aplicações no campo da bioimpressão 3D. No entanto, essa complexidade pode dificultar a compreensão do campo por novos pesquisadores e alunos.
Com os inúmeros avanços, termos como bioimpressão 4D também podem ser lidos.
5) Biointas 4D: Modelam mudanças ao longo do tempo, permitindo a fabricação de estruturas complexas que evoluem e se adaptam ao ambiente ao longo do tempo, replicando processos biológicos naturais.
Bioimpressão de estrutura similar ao ácino hepático humano e bioimpressão de estrutura cartilaginosa mimética a um nariz humano. Ambas as bioimpressões foram realizadas por nossos alunos no curso de bioimpressão 3D na saúde (inscrições abertas para 2024), [fonte:bioedtech].
Definição atual
Atualmente, em consonância com o estado da arte da biofabricação, podemos definir biotintas de forma clara e concisa como:
"Formulações de células e/ou componentes celulares processáveis por tecnologias automatizadas de biofabricação, podendo conter biomateriais ou fatores bioativos."
Essa definição propõe critérios essenciais para a qualificação de um material como biotinta. Ou seja, a mesma deve conter células e/ou componentes celulares (DNA, RNA, proteínas). Assim como, deve ser processável por tecnologias de biofabricação automatizadas como a tecnologia de bioimpressão 3D e/ou bioassembly. A biotinta ainda pode conter - também - outros elementos, como biomateriais e fatores bioativos/bioestimulantes.
Essa proposta busca equilibrar a abrangência das aplicações atuais com a precisão terminológica necessária para distinguir biotintas dentro do campo de biomateriais. A definição refinada enfatiza o requisito de presença de material biológico celular durante o processamento, diferenciando as biotintas de outras tintas de biomateriais desprovidas inicialmente de componentes vivos.
Ao mesmo tempo, a definição permanece inclusiva das diversas composições e funções que uma biotinta pode assumir nos processos de biofabricação 3D. Essa proposta representa um avanço na terminologia da área rumo a uma linguagem compartilhada e precisa!
Aplicações
A definição proposta para biotinta abre um leque de aplicações promissoras na medicina regenerativa e engenharia tecidual. Alguns exemplos incluem:
Pele: A utilização de biotintas a base de fibroblastos dérmicos e queratinócitos possibilita a biofabricação de substitutos de pele para futuros tratamentos de queimaduras e úlceras, assim como testes cosméticos.
Cartilagem: Biotintas compostas por condrócitos e materiais como ácido hialurônico permitem a impressão de cartilagem auricular e articular para implante em casos de microtia ou osteoartrite (no nosso curso falamos sobre cases reais que já estão acontecendo utilizando estes modelos!)
Osso: A combinação de células tronco e materiais como fosfato tricálcico viabilizam a impressão de implantes ósseos personalizados com anatomia complexa.
Córnea: A biofabricação de córneas já foi demonstrada (em estágio inicial de pesquisa) utilizando biotintas a base de quitosana e células da córnea, visando o tratamento da ceratocone e outras doenças.
Fígado: Hepatócitos dispensados em matrizes hidrofílicas constituem biotintas promissoras para a engenharia de fígado, com potencial para atuarem como modelos de doenças (aprenda a fazer um modelo de fígado ao vivo conosco!)
A Importância da Terminologia Correta na Biofabricação
A evolução do termo biotinta, desde sua origem até os avanços na engenharia tecidual, ressalta a importância de entendermos corretamente a terminologia para comunicarmos com precisão os conceitos em biofabricação.
Aqui, buscamos esclarecer e refinar a definição de biotintas, diferenciando-as de biomateriais. Compreender esses conceitos fundamentais é crucial para dominar as técnicas emergentes e moldar o futuro de aplicações (seja em medicina regenerativa, farmacologia, biologia do desenvolvimento, modelagem de doenças, entre outras).
Por isso, convidamos você interessado (A) nessa revolução tecnológica a se inscrever no nosso curso de Bioimpressão 3D na Saúde. Venha conhecer & aprofundar seus conhecimentos ao lado de experts deste campo!
Junte-se a nós nesta jornada rumo a avanços na engenharia tecidual, impressão de órgãos e outras fronteiras da biofabricação.
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Também teremos um webinar gratuito sobre a temática: https://www.bioedtech.com.br/workshop-tendencias-da-bioimpressao-3d
REFERÊNCIAS
A definition of bioinks and their distinction from biomaterial inks. J Groll et al 2019 Biofabrication11 013001
The bioprinting roadmap. Wei Sun et al 2020 Biofabrication 12 022002
Advanced bioinks for 3D printing: a materials science perspective Ann. Biomed. Eng. 44 2090–102
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